Na Nova Inglaterra do século XVIII os debates filosóficos sobre a natureza da vontade e sua relação com o intelecto foram bem intensos, particularmente na Universidade de Harvard, como observa Norman S. Fiering.1 De fato, a exploração da mente e suas faculdades era algo que assumia lugar de destaque nas escolas de pensamento filosóficas e religiosas da época. Perry Miller aponta para o fato de que mesmo os puritanos da Nova Inglaterra, a despeito de sua forte ênfase na piedade, aventuraram-se no exercício de explorar a mente. Fizeram-no com interesse didático e com os devidos cuidados, tendo em vista a realidade da corrupção da mente, por causa do pecado.2 As ciências, de modo geral, foram bem desenvolvidas neste período, sempre tendo em vista a relação de Deus com o universo e as leis que Ele criou para sustentá-lo.
A obra Treatise Concerning the Religious Affections (Tratado sobre os afetos religiosos), de 1746, é reputada por estudiosos de Edwards como uma de suas principais obras. A primeira parte da obra apresenta a relação entre a fé e religião e os afetos. A segunda parte dedica-se a identificar os critérios que evidenciam ou não a autenticidade de emoções (afetos) religiosas. A última parte demonstra os critérios que definitivamente identifica afetos religiosos autênticos.
Ele começa sua obra afirmando que “A religião verdadeira, em grande parte, consiste de santas afeições”6, para, a seguir, definir o que entende por afetos nos seguintes termos: “Aqui, cabe indagar o que são os afetos da razão: Eu respondo, os afetos da razão não são outro, senão o mais sensível e vigoroso exercício de inclinação da vontade e da alma”.
Deus dotou o homem com duas faculdades principais: Uma através da qual ele tem a capacidade de percepção e especulação, ou pela qual discerne e julga as coisas, que é chamada de entendimento. A outra é aquela pela qual a alma a alma é inclinada às coisas que ela considera ou vê; ou é a faculdade através da qual a alma é capaz de contemplar – não como um espectador neutro ou indiferente, mas, determinando se gosta ou desgosta daquilo que contempla, se é atraído ou rejeita aquilo ou aprovando ou desaprovando. Esta faculdade é chamada por vários nomes. Às vezes, é chamada de inclinação, e diz respeito às ações governadas e determinadas por ela, a vontade. E a mente, considerada em relação a esta faculdade, é chamada de coração. 10
Tal parece ser a nossa natureza e tais as leis da união entre a alma e o corpo que, nunca há um caso em que nenhum exercício vigoroso da inclinação não produz efeito algum sobre o corpo – com alterações em seus fluidos e movimento. Pela mesma lei desta união, podemos dizer que o movimento e os fluidos humanos [nossa parte material] também podem provocar os sentidos, os afetos. Mas não é o corpo e sim a mente o assento adequado dos afetos. Pois o corpo do homem não pode ser mais objeto de amor ou ódio, alegria ou tristeza, medo ou esperança do que uma árvore, pois o homem é quem é capaz de pensar e compreender. Assim como a alma é quem tem idéias, então a alma aprova ou desaprova as idéias, pois é a alma quem pensa e, portanto, é a alma quem ama ou odeia, alegra-se ou entristece-se acerca daquilo que pensa. (...) O corpo e seus fluidos não são, portanto, necessários aos afetos. Eles os acompanham e sente seus efeitos, mas não são necessários pois é possível que um espírito sem um corpo seja capaz de amor e tristeza, esperança ou qualquer outros afetos tanto quanto alguém que está unido a um corpo.11
seguinte maneira:
Quem poderá negar, à luz do que temos visto, que a verdadeira religião consiste, em grande medida, em vívidos e vigorosos atos de inclinação e vontade da alma, ou nos ferventes exercícios do coração? Que a religião que Deus requer não consiste em desejos pálidos e sem vida, que nos leva a um grau um pouco acima da mera indiferença. Deus, em sua Palavra, insiste que sejamos prontos, determinados e ferventes em nosso espírito e que tenhamos nosso coração vigorosamente engajado na religião (Rm. 12.11; Deut. 10.12 – 6.4,5).
Assim, segue-se que onde quer que haja a verdadeira religião, haverão aqueles vigorosos exercícios da inclinação e vontade com respeito às coisas de Deus. Mas, pelo que temos apresentado, esses exercícios vigorosos, vívidos e sensíveis da vontade, não são outro senão os afetos da alma. 12
Para Edwards, a verdadeira religião é encontrada e exercitada nos afetos, se manifestam em sentimentos como medo, esperança, amor, desejo, gozo, tristeza, gratidão compaixão e zelo. Contudo, a religião é cognoscível e discernível. O verdadeiro conhecimento, aquele apresentado pelo Espírito, é o que desperta esses afetos para com a religião. Há uma parceria, por assim dizer, entre a mente e os afetos, nas questões da religião. A esta parceria Edwards parece oferecer uma composição, chamando-a de inclinação da vontade da alma ou inclinação da vontade do coração.
Edwards faz síntese entre mente, vontade e coração. Ele demonstra em suas obras, particularmente na obra “Afetos da Religião”, que todas as faculdades são parte que formam o todo do homem. Uma depende da outra e todas evidenciam se Deus habita no coração ou não. Como bem aponta Alderi Matos, 16 Edwards, conquanto original, é devedor dos puritanos e reformadores e, em especial, de João Calvino. Seus argumentos serviram para complementar e apoiar o que os antigos produziram, quando analisaram o homem, sua alma e seus caminhos.
Seu rico legado teológico e filosófico, ajudam-nos a compreender com maior clareza a complexidade do homem e as maneiras como Deus, quando o regenera para a salvação, transforma sua mente, concedendo-lhe clareza e discernimento e muda seu coração, produzindo afetos que dirigem-se ao objeto da fé, Deus mesmo. Sua compreensão de que, quanto mais alguém compreende as grandezas de Deus, tanto mais seus afetos são direcionados a Ele é algo que ele mesmo experimentou. O conjunto de sua obra e sua determinada resolução de viver para glorificar a Deus demonstram que ele mesmo compreendeu bem esta verdade – e fez a missão de sua vida transmiti-la para sua comunidade, como pastor e para a posteridade, através de sua produção literária. Edwards foi alguém de quem se pode dizer que amou ao Senhor com toda seu coração, alma, força e entendimento.
2 MILLER, Perry. The New England Mind in the Seventeenth Century (Boston, NE: Harvard College,1982), p.89
3 MORIMOTO, Anri. Jonathan Edwards and the catholic view of salvation (University Park, PA: Pennsylvania State University, 1995), p.15
4 Ibid., p. 14
5 Ibid., p. 16
6 EDWARDS, Jonathan. The Works of Jonathan Edwards – Volume VIII: A Treatise concerning the religious affections (Edinburgh, Escócia: The Banner or Truth, 1995), p. 236
7 Ibid., p. 237
8 Ibid., p. 272
9 SMITH, John E., STOUT, Harry S., MINKEMA, Kenneth P. (eds.). A Jonathan Edwards Reader (USA: Yale University Press, 1995), p. 193.
11 Ibid
12 Ibid.
13 Ibid., p. 242
14 Ibid., p, 237
15 PENNER, Myron. Jonathan Edwards and emotional knowledge of God, acessado em Agosto de 2010 no site: http://www.directionjournal.org/article/?1164 .
16 MATOS, Alderi S. Jonathan Edwards, teólogo do coração e intelecto. Acessado pela internet em Setembro de 2010: http://old.thirdmill.org/files/portuguese/84643~9_18_01_4-19-04_PM~jonathan_edwards.htm
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